Os desafios dos estudantes autistas no ensino superior

Estimativas apontam que existem hoje 488 jovens autistas brasileiros matriculados em universidades públicas e privadas. Entenda seus principais desafios.

Júnior do Nascimento tem 25 anos e acaba de entrar para a faculdade de Ciências da Computação, em São Paulo. Mas essa não foi sua primeira conquista universitária: o rapaz já foi aprovado em duas faculdades cariocas para estudar Arquitetura, mas acabou trocando de curso por se identificar mais com os números do que com a arte. Essa seria apenas mais uma história entre milhares de outras sobre a vida de alguém no início da fase adulta, se não fosse um detalhe importante: Júnior está dentro do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)

O garoto que hoje mora sozinho em São Paulo, leva uma vida muito similar à de outras pessoas da sua idade: faz faculdade, trabalha e está em busca de sua independência. Pela sua condição, Júnior é parte da pequena estatística de estudantes universitários que possuem Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

O Censo de Educação Superior 2016, pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, mostrou que existem 488 pessoas com autismo matriculadas no ensino superior. Mais da metade (56,56%) está nas universidades particulares; os outros 43,44% estão nas instituições públicas.

A rotina

Quem conhece o TEA de perto sabe como a sala de aula pode ser um ambiente perturbador para uma pessoa autista: são várias pessoas num ambiente fechado conversando e interagindo a maior parte do tempo — ou seja, uma tempestade de estímulos sonoros e de socialização. Para Júnior esse foi um dos grandes desafios que ele precisaria vencer. No caso da socialização a estratégia adotada foi bem curiosa: enxergar as pessoas como computadores. Ao observar os colegas e seus gestos ele os visualiza como algoritmos que podem ser decifrados. Isso o ajuda principalmente nas conversas que envolvem mais de uma pessoa.

Trabalhos em grupo, aliás, são um desafio à parte. A partir da recomendação de sua terapeuta, Júnior até fez teatro por um ano e meio, para tentar entender melhor as questões de linguagem corporal, relacionamento interpessoal e comportamento em público. Ainda assim, se reunir com os colegas para fazer os trabalhos da faculdade é difícil. Apesar de não comentar com as pessoas que tem autismo, Júnior já alertou um professor sobre sua dificuldade de trabalhar em grupo, bem como a preferência por fazer as atividades acadêmicas sozinho.

Essas dificuldades também surgiram na época do cursinho, antes de fazer vestibular para Ciências da Computação. Quando decidiu por essa carreira, se matriculou num preparatório, mas raramente ia à aula, já que a sala lotada e barulhenta era um incômodo. Preferia usar o material para estudar em casa e fazer aulas particulares, estratégia que funcionou e o colocou na faculdade no início do ano. Mas aí não tem escapatória: precisa frequentar as aulas e administrar sua sensibilidade aos sons.

A interação ainda está na fase dos cumprimentos formais, enquanto Júnior tenta estabelecer uma rotina no seu dia a dia no campus. Rotinas e rituais são uma parte importante para ele, que tem mais facilidade em entender comportamentos lógicos do que abstratos. Não por acaso Júnior preferiu a informática à Arquitetura, já que ele é bom em programação e em cálculos.

Perspectivas

Em se tratando do TEA sabemos que existem diferentes graus de manifestação que podem dificultar a independência da pessoa com autismo. Mas casos como o do Júnior são uma prova de que aliar terapia, inclusão e amor é a melhor maneira de estimular o crescimento de uma pessoa autista, contribuindo para que ela caminhe em busca de uma profissão e de uma vida independente. Ele inclusive deixa um recado: “pesquisem o que é o transtorno e vejam a pessoa como alguém que pode vencer obstáculos. Precisa ver o outro lado da moeda. Não dá para enxergar o autismo e esquecer que tem um ser humano ali. Veja o quanto ela pode aprender. Só ver defeitos dificulta muito a evolução”.

[Com informações do site de notícias G1]