Como os minicérebros contribuem para entender o autismo

O sequenciamento genético é o caminho que a Tismoo escolheu para buscar as respostas para o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), e os minicérebros são uma parte muito importante de todo esse processo. Para falar deles e de sua contribuição na compreensão do autismo e de outros transtornos neurológicos, o professor e biólogo Dr. Alysson Muotri, membro da equipe técnica da Tismoo, escreveu um texto para o site Spectrum News. Traduzimos e compilamos a seguir alguns trechos para você. Confira:

Com ajustes, cérebros em um prato de laboratório podem render pistas claras para o autismo

“A melhor maneira de entender algo complexo é, talvez, reconstruí-lo. Quando criança, era exatamente o que eu fazia com tantos brinquedos de robôs à trens. A peça reconstruída nem sempre funcionava, mas o exercício me ensinou como as unidades funcionais, quando remendadas, poderiam funcionar como uma máquina sofisticada.

Como neurocientista, continuo a aplicar essa lição para compreender o cérebro humano. Este que é, talvez, o sistema mais complexo do universo, pode orquestrar comportamentos sofisticados e pensamentos, como linguagem, uso de ferramentas, autoconsciência, pensamento simbólico, consciência e aprendizado cultural. De intrincadas redes no cérebro surgem extraordinárias obras de arte tecnológicas e artísticas. Mas a sofisticação tem um preço elevado. Alterações sutis no desenvolvimento precoce podem levar a condições como autismo e/ou esquizofrenia.

Para encontrar pistas sobre essas alterações, eu e minha equipe de pesquisadores adaptamos minha antiga abordagem aos brinquedos: estamos trabalhando para aperfeiçoar o complexo modelo do cérebro in vitro, isto é, estamos colocando-o dentro de uma placa de laboratório.

Usando esses chamados “organoides cerebrais”, ou “minicérebros”, temos mostrado que os neurônios derivados de indivíduos com autismo são diferentes daqueles derivados de pessoas neurotípicas. Também testamos como fatores ambientais como o Zika vírus podem causar microcefalia e outros defeitos congênitos. Outros grupos de pesquisa estão usando minicérebros para investigar os mecanismos moleculares e celulares da doença visando encontrar biomarcadores em potencial e também testar fármacos que possam auxiliar no tratamento.

Os cientistas consideram que minicérebros em placas de laboratório são modelos experimentais de cérebros humanos que melhor traduzem a realidade desses indivíduos. Eu também acredito nesse potencial dos minicérebros, embora certas características críticas do cérebro humano nestes organoides ainda não foram plenamente alcançadas. Até que o façamos, não podemos explorar completamente as possibilidades dessa abordagem.

Construir um cérebro

Os esforços anteriores para reconstruir o cérebro humano a partir do zero envolveram células-tronco de embriões iniciais. As células-tronco embrionárias são responsáveis ​​por gerar todos os tecidos do corpo. No laboratório, podemos expandir essas células chamadas células-tronco pluripotentes e dar-lhes “instruções”, sob a forma de receitas com nutrientes específicos e fatores de crescimento, para se tornarem células neuronais.

Os cientistas também podem gerar células-tronco pluripotentes induzidas de pessoas utilizando sangue, pele ou polpa dentária, que são fáceis de se obter. As células células-tronco pluripotentes induzidas possuem toda a informação genética do doador.

Quando podem flutuar livremente em uma solução, essas células vão se organizar em esferas que se assemelham ao cérebro de fetos humanos entre 8 e 10 semanas de gestação. Dependendo da fórmula, estas células podem formar diferentes regiões cerebrais. Meu laboratório tem se concentrado no córtex pré-frontal, uma região implicada nos aspectos antissociais do autismo.

No entanto, este modelo organoide do cérebro humano tem algumas limitações críticas.

Em primeiro lugar, é improvável que estejamos cultivando essas células nas condições ideais de cultivo, porque não sabemos realmente o que está no meio dos fatores nos quais o cérebro humano cresce. A maioria dos protocolos baseia-se na literatura sobre o cérebro de roedores, e, portanto, vários fatores provavelmente estão ausentes ou super-representados.

Para induzir uma maturação adequada, levando a estruturas cerebrais mais organizadas, provavelmente precisaremos otimizar nossos protocolos de cultivo. Ao fazer isso, é possível que possamos usar organoides cerebrais para modelar até mesmo distúrbios de início tardio, como as doenças de Alzheimer ou Parkinson.

[…]

Minicérebros podem render uma multidão de descobertas e podem até trazer uma forma de medicina personalizada. Num futuro próximo, os médicos poderão testar vários medicamentos bem como suas doses no minicérebro de uma pessoa antes de prescrever uma receita.”