Conheça algumas possibilidades profissionais num mercado ainda minúsculo, mas em expansão para todo o espectro
Por Francisco Paiva Junior
Temos visto mais diversidade nas contratações como uma tendência do mercado de trabalho. Muitos podem pensar que isso refere-se tão somente a diferenças raciais, de gênero ou orientação sexual. Mas vai além. Abrange também a neurodiversidade – conceito que considera o desenvolvimento neurológico atípico uma diferença humana, que deve ser respeitada. E é isso o que algumas empresas estão fazendo ao contratarem profissionais com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Dois bons exemplos são as histórias de Iago Brunherotto e de Eryk Nakamura, com 24 e 25 anos respectivamente. Os dois trabalham no Itaú Unibanco há mais de um ano, em sua primeira experiência profissional, e se formaram na área de tecnologia da informação — Iago é graduado em ciência da computação, Eryk, em banco de dados. E não é só isso que eles têm em comum: ambos tem autismo.
As coincidências não param por aí. Os dois jovens já implementaram mudanças no banco que resultaram em ganho de eficiência gerando lucro para a empresa. Iago, que já venceu duas edições da Olimpíada Brasileira de Matemática, reduziu o tempo para a realização de uma operação complexa dentro do banco, que foi revertida em resultados financeiros reais e em aumento de eficiência na área. Eryk realizou a alteração de um complexo código SQL (de banco de dados) e transformou um processo que rodava em 48 horas e passou a rodar em apenas 7 horas. “A identificação e exclusão de processos desnecessários ao sistema resultaram em ganho de eficiência para a empresa”, contou Amandha Cortes, superintendente da área de pessoas do Itaú, ao jornal Estadão.
As histórias de Iago e Eryk são exceção? São. Mas cada vez menos.
Specialisterne
A possibilidade de pessoas com autismo conseguirem um trabalho ainda é muito aquém do ideal, mas tem aumentado exponencialmente mundo a fora. E no Brasil não tem sido diferente. Para quem tem TEA de alto funcionamento — como se diz quando suas habilidades sociais e de comunicação são menos comprometidas — parece ser mais fácil, mas nem sempre. Foi o que nos contou Marcelo Vitoriano, diretor da filial brasileira da Specialisterne — empresa dinamarquesa fundada em 2004, especialista na formação de pessoas com autismo para o mercado de trabalho —, que iniciou suas atividade em terra brasilis há três anos, por iniciativa de um espanhol. A empresa já contribuiu com a criação de mil postos de trabalho para pessoas com o transtorno ao redor do mundo, com seu modelo de empreendimento social.
Em uma longa entrevista, Marcelo contou que “os desafios para inclusão de pessoas com autismo de alto funcionamento são bem significativos. É muito comum que eles apresentem comorbidades como depressão, ansiedade, baixa autoestima e a dificuldade em lidar com a consciência de ter suas limitações”. Por isso a empresa acompanha a pessoa inclusive após a contratação, para dar suporte a quaisquer dificuldades por parte da empresa ou do funcionário, oferecendo psicólogos e outros profissionais a depender do caso, além de contribuir com o desenvolvimento profissional e de encarreiramento.
Com grandes parceiros no Brasil — como Itaú, SAP, ABN Amro, JP Morgan, Dow Química, Virtual Gate, CCEE, Comitê Paralímpico, Telefônica, Iguatemi, entre outros —, a empresa tem hoje 40 pessoas com autismo trabalhando, com projetos em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e São Leopoldo (RS). “Até o final de dezembro de 2018, esse número vai passar de 50 pessoas trabalhando. Estamos, felizmente, num momento bom no Brasil. É uma contradição com esta crise que estamos passando, mas temos conseguido abrir oportunidades com parceiros muito interessantes”, revelou Marcelo.
Conversando com os gestores das áreas que empregaram pessoas com TEA, o diretor da Specialisterne no Brasil conta que a opinião é uníssona: o benefício vai muito além do funcionário com autismo contratado, a equipe toda é contagiada com a atitude da empresa, se sente orgulhosa de trabalhar num lugar inclusivo e até a produtividade melhora, além do clima e colaboração entre todos. “As entregas e o rendimento dos funcionários é muito bom. Mas o valor maior para mim é o quanto receber esses jovens aqui na empresa aumentou o engajamento da minha equipe”, confidenciou um dos gestores a ele. É benéfico a todos ao redor.
“Os times são preparados antes de receber os profissionais com autismo. Há um processo forte de educação e conscientização”, contou Gláucia Ribeiro, gerente de marketing e comunicação da Specialisterne Brasil. É como preparar e gerar uma zona de conforto no time que irá receber a pessoa com TEA. Ser claro, objetivo e antecipar mudanças são algumas das necessidades da maioria dos autistas. E funciona também para um grupo que irá acolhê-los. “Um relato comum é ouvir o funcionário dizendo que, como o gestor tem que falar mais objetiva e diretamente por causa do novo funcionário no espectro do autismo, todos ganham pelo gestor ser mais claro”, relatou Gláucia.
O Itaú foi um dos primeiros parceiros. Começou oferecendo apenas duas vagas. Aprovou a experiência. Estão agora com 21 e devem ir, em breve, para 25 pessoas com autismo contratadas. Outra grande parceria é com a SAP, que hoje conta com mais de 150 pessoas com esta condição de saúde atuando em todo o mundo, oito delas no Brasil — inclusive a Specialisterne realizou uma formação local nas cidades de São Leopoldo (RS) e Rio de Janeiro (RJ) em parceria com a própria SAP.
A maioria das vagas atendidas pela Specialisterne é na área de tecnologia da informação, mas já há pessoas em áreas como recursos humanos, financeiro, inovação, além de atividades operacionais. A busca é por diversificar.
Novas habilidades
O jovem ator Eric Rasmussen, de 22 anos, é outro caso exemplar. Ele está com duas peças em cartaz (“Os Miseráveis” e “As Formiguinhas Defendendo a Natureza”, no teatro Raposo Shopping, em São Paulo — olha o jabá!), faz a dublagem (foto) de um personagem com autismo para a série de televisão “Pablo”, um desenho do canal NatGeo Kids, da Fox, e concluiu o treinamento na Specialisterne há menos de um mês. “O que eu descobri nesses anos todos com meu filho é que ele sempre me surpreende. É tudo uma questão de tempo e investimento para que ele aprenda uma coisa nova. Quando eles são pequenos ficamos com dúvidas e medos sobre como vão se virar sem a gente por perto. Mas eu acredito que toda mãe que tiver um filho especial deve fazer de tudo para que ele seja o mais independente possível e nunca deixar de acreditar que ele tem potencial”, explicou Rosana Ponomavenco, mãe de Eric.
O jovem fez os tratamentos que são normalmente recomendados para pessoas com TEA, como terapias com fonoaudiólogos e psicólogos baseadas em ABA (Applied Behavior Analysis — em português: análise aplicada do comportamento) — desde os dois anos de idade. Hoje tem bastante autonomia e já foi até para o Japão “sozinho” — sem os pais, foi com um casal amigo da família.
No treinamento, a Specialisterne identificou no Eric uma habilidade de documentação, de inserir dados em computador com uma velocidade muito acima da média e com margem de erro muito pequena, pelo seu alto poder de concentração. Ele ainda não está empregado, mas aguarda aparecer uma oportunidade que se encaixe com seu perfil e suas habilidades. “Ele descobriu várias habilidades no treinamento que são úteis para qualquer trabalho, como usar alguns programas comuns no computador, como Office. Ele também mudou a maneira de se vestir para trabalhar, aceitou roupas que antes ele não aceitava. Agora ele começa um curso de comunicação visual, pois ele viu que tem habilidades no computador que antes não sabia que tinha”, comemorou Rosana.
A empresa social dá treinamento durante cinco meses, com diversas aulas voltadas a tecnologia da informação e desenvolvimento de habilidades sociais e, na reta final, simula um ambiente de trabalho, culminando, normalmente, com a contratação — que não é garantida, mas acontece na grande maioria dos casos. “Os jovens, a partir do momento que começam a trabalhar e ter sua renda, têm mais autonomia, e isso gera um impacto positivo grande na autoestima deles”, comemora Marcelo.
A Specialisterne atende pessoas com autismo de alto funcionamento, a partir de 18 anos de idade, que são encaminhados para uma entrevista antes do início do treinamento, para identificar o perfil de cada pessoa. É desejável que a pessoa tenha interesse em trabalhar com computador. E a notícia boa é que, ultimamente, tem aparecido mais vagas para trabalho que pessoas com TEA. Para 2019, a empresa planeja ações em cidades do interior de São Paulo e outros estados brasileiros e, para tanto, tem buscado candidatos que possam se beneficiar do programa.
Quem tiver interesse, o telefone é (11) 3129-8056 e o site br.specialisterne.com. O treinamento hoje é subvencionado em 85% pela própria organização, mas a partir de 2019, as turmas serão 100% gratuitas. Famílias com baixa renda hoje já realizam o curso sem custo. “Ninguém deixa de participar por sua condição financeira”, sentencia Marcelo Vitoriano.
Emprego apoiado
Ok. Muitos podem questionar: É fácil empregar um jovem autista que tem autonomia, um nível aceitável de habilidades sociais, hiperfoco e, alguns (repito: alguns!), até mesmo inteligência acima da média. Quero ver contratar um autista com deficiência intelectual!
Sim. Isso acontece em muitos países desenvolvidos e tem se tornado mais e mais comum no Brasil (ainda infimamente menor que o desejável, vale sempre ressaltar). O segredo é o emprego apoiado (EA), “uma metodologia que visa à inclusão no mercado competitivo de trabalho de pessoas em situação de incapacidade mais significativa; respeitando e reconhecendo suas escolhas, interesses, pontos fortes e necessidades de apoio. Dentre essas, as pessoas com TEA, também podem e são atendidas pela metodologia”, conforme explicou Marisa Schahin, uma das diretoras da Anea (Associação Nacional do Emprego Apoiado), instituição criada em 2014 — aberta a todos os que desejam estimular o desenvolvimento do emprego apoiado no Brasil, porém não atende ao usuário final. O atendimento aos usuários do EA é realizado por algumas organizações associadas da Anea e por consultores autônomos capacitados.
“Iniciei o trabalho de inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho formal, devido ao meu filho ter esse diagnóstico. Ele trabalha há 10 anos e tem acompanhamento pela metodologia do EA desde 2013. Acabei me especializando na transição do jovem com deficiência para a vida adulta e a inclusão de pessoas com diagnóstico de autismo. Atendemos também pessoas com outras deficiências, que necessitem de apoio para iniciar sua caminhada no mundo do trabalho”, resumiu Marisa.
De acordo com o site da Anea, algumas instituições que oferecem emprego apoiado são: a Abads e a Apabex, em São Paulo; o Instituto Ester Assumpção, em Betim, Minas Gerais; e o Unilehu, em Curitiba, no Paraná.
Abads
A Abads (antiga Pestalozzi de São Paulo) tem um projeto de emprego apoiado que iniciou-se em 2002, profissionalizando-se em 2006. Apenas em 2010, contudo, especializou-se para atender pessoas com autismo. A maioria das pessoas atendidas pelo projeto são autistas com deficiência intelectual e, muitos, não-alfabetizados — no entanto há 3 casos de autismo de alto funcionamento. “Um desses casos é um advogado. Fez graduação em direito, passou no exame da OAB, mas tem dificuldade em atender e discutir com o cliente, ou em expor algo para um juiz. Hoje faz controle de entrada e saída de mercadorias numa empresa de varejo e está feliz no trabalho”, narrou Sinival Pinheiro, coordenador de emprego apoiado da Abads.
A instituição tem um total de 300 pessoas com deficiência atendidas pelo programa, sendo 69 autistas. Cerca de 8% dessas pessoas estão desempregadas, buscando recolocação. O restante está empregado e, segundo Sinival, a retenção no trabalho é, em média, maior que o normal. O mais comum no projeto da Abads são empregos em funções de ajudante geral, reposição de estoque e auxiliar administrativo, mas há até mesmo um caso inusitado em que a pessoa atendida pediu para ser contratada em um trabalho pesado, que pudesse “descarregar suas energias”. Hoje esse jovem está trabalhando na construção civil.
Quando alguém se inscreve no programa, é feito inicialmente um acolhimento, para conhecer o programa que a Abads tem, assiste a uma apresentação, preenche um cadastro com o perfil do serviço desejado e, em seguida, é feita uma avaliação — independente de ter ou não um diagnóstico de TEA. O próximo passo é cadastrar-se no Emprego Apoiado e receber um atendimento individualizado, para saber as habilidades e as necessidades de cada pessoa. Apenas depois disso, classifica-se o indivíduo conforme o apoio que ele precisa, e não pela deficiência que ele tem. Conseguindo-se a vaga de emprego, inicia-se o treinamento dentro do próprio ambiente de trabalho — que pode durar de 3 meses a 2 anos, dependendo da necessidade de cada um.
O acompanhamento continua, mesmo após o treinamento, caso seja solicitado pela empresa ou pelo empregado. “Houve um caso de um funcionário autista que entrou em crise depois que sua gerente faleceu. A nova gerente quis mudá-lo de setor e ampliar a atuação para que executasse mais tarefas, visto o bom desempenho que ele tinha. A mudança, todavia, trouxe muita instabilidade ao jovem e tivemos que intervir para ajudar. Em algumas semanas, tudo voltou a ficar bem”, lembrou Sinival Pinheiro.
As famílias que quiserem procurar a Abads para emprego apoiado, devem ligar no telefone (11) 2905-3048 para agendar uma visita — o site é abads.org.br. A participação no projeto é gratuita.
ITS
Outra instituição que auxilia a entrada de pessoas com deficiência, inclusive autistas, no mercado de trabalho é o Instituto de Tecnologia Social, o ITS Brasil. “Os projetos de Empregabilidade de Pessoas com Deficiência Pronas/PcD vêm sendo desenvolvidos pela instituição em parceria com o Ministério da Saúde desde 2015”, explicou Maria Vilma Roberto, coordenadora de projetos de emprego apoiado no ITS, que atende pessoas com “todos os tipos de deficiência, autismo e psicossocial. Não fazemos ou impedimos nenhuma deficiência de participar de nosso projeto”, contou.
A instituição já atendeu 15 pessoas com autismo e elas permanecem no emprego — algumas até já estão no segundo emprego —, com uma metodologia que tem o foco nas habilidades das pessoas e acompanhamento por técnicos de emprego apoiado.
O projeto do ITS não tem custo para empresas, famílias, muito menos para as pessoas com deficiência. “Atualmente estamos encerrando o projeto que atende o município de São Paulo. Os projetos desenvolvidos em Santo André, São Bernardo, Mauá, Cubatão e Guarujá vão até o final de 2019”, disse Maria Vilma.
Interessados no projeto do ITS podem ligar para (11) 3151-6499 ou acessar o site itsbrasil.org.br.
Sem apoio
Carlos Alberto Jorge Júnior, o “Caco”, que mora em Santos, no litoral paulista, tem uma história diferente. Não contou com emprego apoiado, nem com qualquer treinamento, pago ou gratuito para começar a trabalhar. Sua mãe, a professora aposentada Ana Lúcia Leite Félix, e o irmão de Caco, André, tiveram a ideia de entrar em contato com a diretora da escola que Caco estudou — e que ele amava como sua família — e pedir a chance dele trabalhar um período lá como voluntário.
A ideia era ele aprender sobre o que significa trabalho, hierarquia, ter colegas de trabalho etc. E as terapeutas dele adoraram a ideia e se prontificaram a ir na escola dar orientações sobre os pontos principais e necessários a serem trabalhados, como assiduidade, pontualidade, responsabilidade, respeito”, relembrou a mãe, “AnaLu”.
Isso foi em setembro de 2016. Caco continua lá até hoje e inclusive recebe um valor simbólico como salário. Ele ainda não domina bem o dinheiro, tem dificuldade com matemática, mas está sendo acompanhado por psicopedagoga e neuropsicóloga, trabalhando essas questões. “Os ganhos são vários, pois ele está aprendendo a sair e andar sozinho. Primeiro aprendeu a usar o VLT [veículo leve sobre trilhos — um tipo de transporte público], e, mais recentemente, a tomar ônibus, algo que ele tinha verdadeiro pavor! Nesse meio tempo, demos uma cópia da chave de casa pra ele, um “sonho” que ele tinha (risos)”, contou AnaLu, comemorando as conquistas do filho. “Após ficar doze anos sem terapia, pois não encontrávamos profissionais que conhecessem e soubessem lidar com autismo por aqui, ele hoje também faz acompanhamento com uma psicóloga, já há mais de três anos”, completou ela.
A autoestima de Caco aumentou muito. “Já estou trabalhando lá há dois anos, indo e voltando de ônibus sozinho. Gosto muito de trabalhar lá com as meninas. Elas gostam muito de mim. Eu também vou sozinho para a aula de muay thai [uma arte marcial tailandesa] de ônibus, vou para a psicopedagoga… Enfim, tem sido muito legal”, narrou Caco, entusiasmado.
“Ah, ele já tinha celular, quando começou a trabalhar, mas não tinha plano de internet. Então, esse foi outro sonho realizado. E o inusitado: ele mesmo encontrou e baixou um aplicativo no celular, onde vê linhas de ônibus e horários previstos em cada ponto da cidade”, disse a mãe, orgulhosa de Caco.
O jovem atua como um auxiliar administrativo e inspetor de alunos durante os intervalos de aula — ajuda a equipe da secretaria, a levar e trazer material, bilhetes, documentos e até ajuda professores, quando requisitado. “Se há ocorrências no intervalo, como brigas, desobediência a regras. Ele alerta os alunos, mas não se intromete. Se não resolver, chama a coordenação”, finalizou AnaLu.
Cotas
Um estudo realizado com 248 adultos autistas dos Estados Unidos, Suécia e Austrália apontou que 22,5% deles estava empregado em tempo integral. No Reino Unido, a pesquisa do The National Autistic Society chegou a um número ainda menor: apenas 16% dos adultos autistas tem emprego em tempo integral de forma remunerada; e 32%, em meio período. Uma iniciativa interessante foi da ONG Autism Speaks, que lançou um portal online com oportunidades de trabalho para profissionais com autismo, para melhorar o cenário nos Estados Unidos. Chama-se “The Spectrum Careers“.(em tradução livre, algo como: “as carreiras no espectro” — referindo-se ao espectro do autismo).
No Brasil, em parte, podemos dizer que tem iniciado uma conscientização por parte das empresas, de seu papel social e de inclusão — ainda minúsculo, mas crescente. Por outro lado, as leis obrigam a contratação de pessoas com deficiência a depender do tamanho do negócio.
Para empresas que tenham a partir de cem funcionários, a legislação brasileira estabelece a obrigatoriedade de preencherem uma parcela (de 2% a 5%, conforme o número de empregados) de seus cargos com pessoas com deficiência. A reserva legal de cargos é também conhecida como Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/91).
No fim de 2012, com a Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764), o autismo passou a ser considerado uma deficiência, com todos os benefícios legais. Portanto, a inclusão da pessoa com TEA, no emprego formal no Brasil é muito recente — e dados sobre inclusão de pessoas com o transtorno ainda não foram obtidos oficialmente.
Números oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dizem que cerca de 24% dos brasileiros, possuem algum tipo de deficiência. Segundo informação do Ministério do Trabalho, os números consolidados mais atuais são de 2017: dos quase 46,3 milhões de pessoas empregadas no Brasil, menos de 1% tem alguma deficiência — para ser mais preciso: 441,3 mil, equivalente a 0,954% — e, desses, apenas 36,6 mil (0,079%) têm “deficiência intelectual (mental)”, conforme classificação do governo, onde estão incluídas as pessoas com autismo. O Ministério do Trabalho reconhece: “Especificamente sobre autismo, ele é considerado um tipo de deficiência intelectual (variável incluída na pesquisa), mas não temos informações específicas sobre autismo” (sic).
Em visita recente ao Brasil, a autista norte-americana e ativista pela causa Temple Grandin (veja nosso texto sobre sua palestra) defendeu que o comércio local deveria incluir as pessoas com TEA nos bairros: “As coisas vão melhorar no futuro. Penso que tenham que encontrar uma forma de resolver o problema localmente, ajudando esses adultos a trabalharem no comércio local, em pequenas lojas”, respondeu ela à minha pergunta, sobre a inclusão de adultos com autismo no nosso país.
A esperança é que a obrigatoriedade das cotas possam mostrar o quão benéfico pode ser contratar uma pessoa com mais limitações que o convencional — e o quanto isso torna o ambiente todo melhor e mais acolhedor, até mesmo mais produtivo. E que não precisemos mais de leis de cotas num futuro próximo, quando as empresas perceberão que incluir a diversidade (que deve abranger a neurodiversidade) traz mais benefício para a empresa e os demais funcionário, que para pessoa incluída — com ou sem autismo.
Francisco Paiva Junior é jornalista, co-fundador e editor-chefe da Revista Autismo, autor do livro “Autismo — Não espere, aja logo!” e head de conteúdo da Tismoo.