O autismo na 3ª idade: um diagnóstico depois dos 70 anos

A descoberta do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é sempre um momento de surpresa. Imagine quando ela acontece na vida de uma pessoa adulta.

Para qualquer mãe, receber o diagnóstico de autismo do filho já é uma situação muito difícil. Agora imagine descobrir anos depois que seu próprio pai, já adulto, passou toda a vida com a condição sem saber? Pois foi isso que aconteceu com a escritora e palestrante Anita Brito. Depois do diagnóstico do filho, Nicolas, ela passou a observar com mais cuidado as atitudes de seu pai, Arnaldo. A desconfiança dela foi o ponto de partida para o diagnóstico, recebido 10 anos depois através da médica Drª Sueli Paiva. Abaixo reproduzimos alguns trechos do relato da Anita, publicado originalmente no blog Falando um pouco de autismo.

“Após 72 anos, descubro que meu pai é autista…

Arnaldo, brasileiro, aposentado, 6 filhos, casado. Durante 72 anos, Arnaldo viveu sem saber que estava dentro do espectro autista. Nem a família desconfiava que seria isso, uma vez que, em sua infância nos anos 1940 e 1950, os estudos ainda estavam na fase inicial, tanto nos Estados Unidos quanto na Áustria.

Os diagnósticos de autismo no mundo só foram se popularizando a partir da década de 1980, mas no final da década de 1970 já haviam vários casos, ainda tidos como raros. No Brasil, o diagnóstico já existe desde a década de 1980 também, porém, o conhecimento sobre a síndrome só foi realmente popularizado, tanto no meio médico, quanto nas famílias, no final da década de 1990 e começo dos anos 2000.

Por que procurar o diagnóstico para alguém que está com 72 anos?

Nossa relação com nosso pai não foi das mais fáceis, pois não entendíamos o porquê de ele ser como era. Ninguém nunca entendeu: amigos, familiares próximos e mais distantes, colegas de trabalho. O que as pessoas geralmente faziam era se afastar dele e de nossa família.

Depois que soubemos o que era o autismo, fomos tratar de cuidar de nosso filho e fomos aprendendo dia a dia como lidar com ele. Com os avanços em pesquisas em todas as áreas e com muita leitura, fui percebendo traços em meu pai e comecei a observá-lo. Falei com minha mãe que, imediatamente, começou a perceber vários aspectos. Meus irmãos não concordaram muito, porque já estavam acostumados com o “jeito dele ser”.

Com o Nicolas crescido, fomos notando cada vez mais semelhanças no comportamento dos dois e fomos notando como meu pai preenchia várias características:

  • Não tem amigos e não tem laços fortes nem com familiares;
  • Quando gosta de alguém, é só daquela pessoa e não tem uma relação como a que qualquer um teria: cisma com uma pessoa e só conversa com essa pessoa sobre os mesmos assuntos;
  • Nunca olha diretamente para nós. Conversa muito pouco e olhando para as unhas ou para o teto. Às vezes, tem aquele olhar distante, mas nunca para nosso rosto;
  • Cada filho que nascia, ele se apegava àquele e não falava mais com os outros. Nunca foi de sentar e conversar para dar conselhos. Alguns de nossos amigos não sabiam que tínhamos pai ou, quando sabiam, achavam que ele era mudo;
  • Sua coordenação motora não é nada boa;
  • Guarda objetos por um longo tempo, sem o menor motivo e, quando se cansa, se desfaz de tudo, mas leva anos para que isso aconteça.
  • Fica sempre isolado em casa. Se estão todos na sala, ele fica no quarto, se tem alguém no quarto, ele vai para a sala e assim por diante. É nítido que ele se sente melhor quando está sozinho;
  • Nunca foi viajar conosco porque não gosta de ficar longe da casa dele;
  • Fala sempre dos mesmos assuntos. Sempre! A falta de repertório é gritante;
  • Tem sempre as mesmas roupas e se veste sempre do mesmo jeito. Só compra outra em caso de necessidade;
  • É metódico com suas coisas. Tudo tem que estar onde ele estabelece. Se sair dali, perde a cabeça e quebra alguma coisa. Já quebrou todas as cadeiras de casa quando éramos pequenos, porque saíamos da cadeira e não a colocávamos no lugar. Não suporta ver nada fora do lugar.

E muito mais…

Quando suspeitei que meu pai fosse autista, comecei a tratá-lo como tratava o Nicolas e nossa relação melhorou 1.000%. Para que eu pudesse entendê-lo, e até perdoá-lo por algumas faltas, precisei ver quem realmente era meu pai. Agora existe uma relação entre nós e eu tento estimulá-lo sempre.

Meu marido, sempre ao meu lado, me ajuda muito. Nós levamos meu pai para passear em alguns lugares, estamos sempre puxando assunto com ele e às vezes vamos à sua casa, quando ele fica sozinho. Aliás, ele adora meu marido.No dia 28 de fevereiro de 2014 tive a confirmação de uma psiquiatra de que meu pai está sim dentro do espectro autista.

Ele está de parabéns por ter formado uma família e, agora, essa família entende quem é seu patriarca, que já foi taxado de tantas coisas por vizinhos, pessoas próximas e por nós mesmos por falta de entendimento e conhecimento.

Eu achava que devia isso ao meu pai enquanto ele está vivo. Eu não queria que ele morresse incompreendido.

Alguns pontos a serem observados

  • Meu pai nasceu aos 30 de novembro de 1941, no estado da Bahia, em uma região de extrema pobreza. Nunca foi vacinado e nunca fez nenhuma dieta especial.
  • Sim, estamos mais felizes com esta descoberta. Explica muito e ajuda mais em nossa relação com ele. Ainda bem que, mais uma vez, Deus nos deu uma nova chance.”

O que aconteceu com a Anita é também um aprendizado para todos nós. Conhece uma história parecida? Quer ver o seu relato sobre o autismo publicado aqui? Mande um e-mail para info@tismoo.com.br