A aposta é de que inteligência artificial e aprendizado de máquina poderão ajudar médicos a chegar num diagnóstico mais fácil e mais rápido
Diagnosticar autismo não é uma tarefa fácil. A ciência não conhece hoje um biomarcador para que se faça um exame simples para o detectar o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Sim, há um estudo britânico em andamento para um exame de sangue para detectar autismo, mas ainda precisa ser testado e validado com muitos pacientes para ter algum resultado conclusivo — ou seja, é só uma possibilidade que ainda precisará de muitos anos de testes e estudos a respeito disso. O diagnóstico hoje é clínico, feito por um médico especialista — e tem acontecido, em média, aos quatro anos de idade nos Estados Unidos. No Brasil, não temos números sobre isso.
Com o aprimoramento da inteligência artificial e do aprendizado de máquina, alguns pesquisadores dizem que o atraso no diagnóstico de autismo pode diminuir num futuro muito próximo. O aprendizado de máquina (em inglês: machine learning) ou aprendizagem automática é um subcampo da ciência da computação que evoluiu do estudo de reconhecimento de padrões e da teoria do aprendizado computacional em inteligência artificial — ou AI, como é globalmente citada, pelo termo em inglês: Artificial Intelligence.
A aposta vem da versão mais recente do aprendizado de máquina, o aprendizado profundo (em inglês: deep learning) que, segundo especialistas, seus métodos e aplicações nunca foram tão efetivos para realmente ter um impacto clínico como é o deep learning.
Segundo Martin Styner, professor associado de psiquiatria e ciência da computação na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, nos Estados Unidos, o poder do deep learning vem da descoberta de padrões sutis, com combinações de recursos, que a princípio podem não parecer relevantes ou óbvios para o olho humano. Isso significa que é muito mais adequado para identificar a natureza heterogênea do TEA. Onde a intuição humana e as análises estatísticas podem procurar por um único traço, possivelmente inexistente, que diferencie consistentemente todas as crianças com autismo daquelas que não estão no espectro, os algoritmos de deep learning procuram, em vez disso, agrupamentos de diferenças.
Esses algoritmos, porém, dependem muito do “ensino” humano. Para aprender novas tarefas, eles “treinam” em conjuntos de dados que normalmente incluem centenas ou até milhares de modelos “certos” e “errados”, como, por exemplo, uma criança sorrindo ou não, classificada anteriormente por uma pessoa. Com todo esse exaustivo “treinamento” intensivo, softwares de deep learning acabaram tendo a precisão dos especialistas humanos — em algumas situações, até melhor que nós, de carne e osso.
Ceticismo
Nem todo mundo, porém, está otimista com essa promessa. Muitos especialistas destacam que há obstáculos técnicos e éticos que essas ferramentas computacionais dificilmente conseguiram transpor. Para Shrikanth Narayanan, professor de engenharia elétrica e ciência da computação na Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, nos EUA, essas tecnologias não são “varinhas mágicas” e ele tem uma posição cética sobre o assunto. “Quando se trata de fazer um diagnóstico há a chance de um computador errar, o que traz implicações graves para crianças com autismo e suas famílias”, disse ele ao site Spectrum News. O professor, porém, compartilha do otimismo que muitos na área expressam a respeito de que essas tecnologias de inteligência artificial poderiam reunir pesquisas sobre genética, imagens cerebrais e observações clínicas. O potencial é enorme para casos em todo o espectro do autismo.
Para esse tipo de tecnologia “aprender”, porém, é necessário uma grande quantidade de dados de treinamento e é um grande desafio na área do TEA, pois a maioria dos dados relevantes para diagnósticos vem de observações clínicas meticulosas — e, portanto, limitadas. Alguns pesquisadores estão começando a reunir conjuntos de dados maiores usando dispositivos móveis com câmeras (celulares e tablets) ou sensores vestíveis para rastrear comportamentos e sinais fisiológicos, como os movimentos dos membros e o olhar.
Robôs e apps
Em 2016, na Europa, iniciou o projeto DE-Enigma para reunir um banco de dados em grande escala baseado no comportamento de 128 crianças autistas. Hoje eles já têm 152 horas de vídeos de crianças interagindo com adultos ou robôs com o objetivo de “ensinar” a AI a reconhecer emoções e expressões faciais. Ao mesmo tempo, os robôs tentam ensinar habilidades sociais para as crianças com autismo usando inteligência artificial e redes neurais, as deep neural networks.
[av_video src=’https://vimeo.com/235881378′ format=’16-9′ width=’16’ height=’9′ custom_class=” av_uid=’av-14zoi’]
Outro projeto é o Autism & Beyond, da Duke University, nos EUA, que está coletando vídeos de crianças com autismo através de um aplicativo para iPhone, usando o Research Kit, uma biblioteca de desenvolvimento de código aberto da Apple dedicado à pesquisa científica. No primeiro ano do projeto, em 2017, mais de 1.700 famílias participaram, enviando quase 4.500 vídeos de comportamento de seus filhos e respondendo a um questionário de pesquisa. Segundo Guilherme Sapiro, professor de engenharia elétrica e de computação da Duke University, que está trabalhando na próxima fase do aplicativo, o grupo conseguiu em um ano a quantidade de dados que os especialistas obtêm em uma vida. O aplicativo não está mais disponível, pois esta primeira fase da pesquisa se encerrou, mas enquanto o estudo estava sendo realizado, esteve disponível na App Store (a loja de aplicativos online da Apple) dos EUA.
Humanos + robôs
O programa dominical de TV “Fantástico” (Rede Globo) exibiu reportagem (assista ao vídeo) recentemente falando da possibilidade de colaboração ou de substituição de humanos por robôs em certas funções, especialmente os diagnóstico médicos, como a interpretação de uma mamografia, citada por Lily Peng, pesquisadora do Google. Para Alexandre Chiavegatto Filho, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, a aposta é de que a inteligência artificial deve mudar muita coisa na medicina, não só no diagnóstico, mas de maneira colaborativa. “Humano mais algoritmo mais inteligência artificial toma decisões melhores”, resumiu ele.
Com informações do Spectrum News, Apple e Fantástico.